13 de julho de 2005

«Colisão» («Crash», 2005), de Paul Haggis

Um dos grandes filmes do ano, «Colisão» tem o mérito de urdir uma teia dramática poderosa que nos envolve e contagia com o seu tom de diagnóstico da alma humana. É antes de tudo um grande argumento (da autoria do realizador, que também escreveu o belíssimo «Million Dollar Baby»), potenciado pela eficaz realização, muito boa direcção de actores e banda-sonora que lhe acentua o tom elegíaco. Começa por parecer um estudo sobre o racismo (e esse é o seu tema transversal), mas quando a história avança vemos que o filme o transcende para criar um quadro bem mais panorâmico. Um dos aspectos fantásticos do filme é que nunca reduz as personagens a uma dimensão: elas são sempre complexas, seres que se confrontam consigo próprios, com as suas crenças, com os outros e com as situações com que se deparam. Genial é a forma como se prova que um agressor pode ter a oportunidade de salvar a sua vítima noutro contexto e, com isso, atingir a redenção; ou como alguém que se reconhece na tolerância seja levado ao assassínio pelo seu insuspeito preconceito. Numa história cheia de sequências de grande emotividade, destaca-se a forma exemplar como nos é mostrado que a vida é (também) feita de grandes coincidências (as balas de pólvora seca são um achado) e pequenos pormenores.
Os actores encaixam-se de forma exímia nas suas personagens, que não têm aqui a importância hierárquica tradicional (não há verdadeiros protagonistas nem verdadeiros secundários), embora me apeteça destacar Matt Dillon numa presença tão forte como já não havia memória.
Ao nível da estrutura e do sentimento, embora isso não seja necessariamente um defeito, nota-se uma semelhança enorme entre «Colisão» e «Magnólia», ainda por cima exponenciada por uma banda-sonora que remete automaticamente para Aimee Mann. Contudo, há outra referência que é «Traffic», de Soderbergh, na forma como um cruzamento de histórias vai pintando um quadro geral sobre um problema (neste caso, o racismo; no outro, a droga), incrustando-o bem no interior da condição humana, a salvo de demagogias. Afinal, só pode dizer que não possui uma réstia de racismo quem não é humano. Por outras palavras, errar é humano. E é isso que é (ou pode ser) fatal.

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